Você acha que usa a internet, mas está sendo usado por ela...
Extractos da entrevista a Bernardo Carvalho, autor do livro sobre a internet "Reprodução" (Companhia das Letras).
Extractos da entrevista a Bernardo Carvalho, autor do livro sobre a internet "Reprodução" (Companhia das Letras).
"Tive um processo longo de percepção de uma fascistização do mundo, de um jeito ambíguo, porque as pessoas criam o fascismo achando que estão encontrando a liberdade. A internet é libertária, democrática, mas também faz você entregar sua privacidade e se relacionar com corporações como se fossem Deus ou a natureza. Elas dizem: "Você não precisa pagar nada". E você se entrega acriticamente, porque a ideia de não fazer esforço é sedutora. E há o narcisismo, a exposição no Facebook, que pega um ponto central. É perverso, a conquista vai em pontos frágeis da psique, você se sente uma celebridade. Do ponto de vista político, você acha que está usando, mas está sendo usado. O livro expressa esse desconforto.
[...]
A internet "talvez tenha acirrado algo que sempre existiu em potencial. Você não tem privacidade, mas pode ter anonimato, o que permite uma manifestação de imbecilidade sob a proteção do anonimato. Estava incomodado com isso e pensei nesse narrador que representa o ódio absoluto, o anonimato da internet.No livro há uma frase do [filósofo espanhol] Ortega y Gasset: "Todo povo cala uma coisa para poder dizer outra. Porque tudo seria indizível". O personagem tem a informação absoluta, mas nada do que ele diz quer dizer muito. Não adianta você saber um monte de coisas, ser informado na superficialidade midiática sem uma compreensão do mundo. Você só reproduz, não consegue mais produzir.
[...]
Notei um ódio no qual reconheci esse anônimo da internet [protagonista do livro]. O protagonista cita os "colunistas" da mídia, que, nota-se, alimentam o ódio dele. Pensou em alguém específico? Isso resume várias pessoas. É uma grosseria de pensamento, gente que fala como se falasse com crianças. O problema não é ser colunista de direita, é o tipo de argumento primário e fácil de ser derrubado. O negócio é no grito porque é insustentável. E isso produz best-sellers no Brasil. Há uma espécie de inconsequência política que está no discurso desse personagem. A burrice era privada, mas agora é pública.
[...] A literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Mas literatura é reflexão, não só produto de consumo, não só contar uma história. Tem um elemento de rebeldia, de criação. Não sei se incomoda, mas esse livro me deu prazer de fazer e me dá prazer de ler. Há uma coisa engraçada no discurso do ódio.
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A internet "talvez tenha acirrado algo que sempre existiu em potencial. Você não tem privacidade, mas pode ter anonimato, o que permite uma manifestação de imbecilidade sob a proteção do anonimato. Estava incomodado com isso e pensei nesse narrador que representa o ódio absoluto, o anonimato da internet.No livro há uma frase do [filósofo espanhol] Ortega y Gasset: "Todo povo cala uma coisa para poder dizer outra. Porque tudo seria indizível". O personagem tem a informação absoluta, mas nada do que ele diz quer dizer muito. Não adianta você saber um monte de coisas, ser informado na superficialidade midiática sem uma compreensão do mundo. Você só reproduz, não consegue mais produzir.
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Notei um ódio no qual reconheci esse anônimo da internet [protagonista do livro]. O protagonista cita os "colunistas" da mídia, que, nota-se, alimentam o ódio dele. Pensou em alguém específico? Isso resume várias pessoas. É uma grosseria de pensamento, gente que fala como se falasse com crianças. O problema não é ser colunista de direita, é o tipo de argumento primário e fácil de ser derrubado. O negócio é no grito porque é insustentável. E isso produz best-sellers no Brasil. Há uma espécie de inconsequência política que está no discurso desse personagem. A burrice era privada, mas agora é pública.
[...] A literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Mas literatura é reflexão, não só produto de consumo, não só contar uma história. Tem um elemento de rebeldia, de criação. Não sei se incomoda, mas esse livro me deu prazer de fazer e me dá prazer de ler. Há uma coisa engraçada no discurso do ódio.
Não tenho clareza do que o livro representa, mas é algo político como nunca fiz, tem um humor que nunca tive. Sempre fui contra a literatura política, atrelada, mas desta vez tinha uma urgência. O livro não busca uma solução. É uma visão trágica das camadas de possibilidades".
Bernardo Carvalho