A maioria dos estudos sobre o social-software, no âmbito da cultura digital e dos cyberstudies, adoptam uma prespectiva baseada em duas ideias fortes:
-uma epistemologia positivista assente no empirismo ingénuo. Assumem que o estudo dos new media, nomeadamente a cultura digital, obedece às lógicas da evidência semelhante aos estudos dos fenómenos físicos;
- numa divisão ingénua entre o mundo real da vida e o mundo virtual das novas redes digitais.
Estas duas ideias de base devem ser criticadas.
1. Crítica da epistemologia do empirismo ingénuo
Tal como afirma Brabham (2008), uma grande parte dos estudiosos dos new media analisam os "phenomena in networks through an empirical paradigm that assumes a real thing with an essence that can be known".
Ora, esta abordagem necessita de ser melhorada pois impede um conhecimento aprofundado dos fenómenos digitais emergentes.
"The problem with this approach, the new media empirics approach, is that it works to freeze the flows and interactivities of people and ideas in a concrete, present moment as the object of study" (Brabham, 2008).
De acordo com Corrêa (2008), José Luís Braga, Vilém Flusser, Marshall McLuhan, Jean Baudrillard e Roland Barthes são autores que defendem a permissa de que a produção de conhecimento neste campo não pode ser similar ao usado nas ciências naturais, pois é necessário interpretar e criar significados.
2. Crítica da divisão ingénua entre o mundo real e o mundo virtual
Segundo alguns autores, a produção de conhecimento nos new media efectua-se também no REAL, faz-se na vida real. Ou seja, o ciberespaço não é imaterialidade sendo antes um espaço real eletrónico de circulação da comunicação e da sociabilidade. Tal como Fischer, parece-me que a questão principal não é a diferença entre o real e o virtual invasor. "Is not one of reality's resistance to, or its vanishing into, a triumphant virtual parallel world, but of the close and creative hybridizing between reality and its powerful and expanding digital simulacrum" (Fischer, 2008).
3. Uma nova epistemologia
Nesse sentido, aparece como necessária uma reflexão epistemológica sobre os estudos dos new media. Elizabeth Corrêa (2008) defende que os new media studies apresentam uma série de características que requerem uma metodologia específica para o seu estudo assente na:
- inserção do estudo dos new media no campo da Comunicação;
- tríade tecnologia/comunicação/sociedade;
- vinculação entre a teoria e a prática.
Um novo modelo epistemológico deve, por isso, seguir estas orientações:
- o estudo de casos singulares
- a busca de indícios que remetem a fenómenos não imediatamente evidentes
- a distinção entre indícios essenciais e acidentais
- a articulação entre os indícios selecionados
- derivação de inferências
Desta forma, é necessário efectuar:
- o levantamento extensivo e detalhado dos traços caracterizadores do objecto;
- uma redução do objecto aos seus elementos mais significativos;
- uma separação dos indícios essenciais dos acidentais por meio de tentativas;
- uma articulação do conjuntos de indícios que possibilitem as inferências sobre o fenómeno.
Temos então aqui presente uma tríade:
situação empírica - bases teóricas - problemas de pesquisa
Para finalizar, e ainda segundo Corrêa (2008), autores como Fidler, Hayles, Lunenfeld, Janet Murray, Lev Manovitch, Bolder, Jenkis & Thornburn, Salaverría e Bertocchi vão na mesma linha caracterizando a comunicação em rede como sendo policrónica e multidirecional.
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Bibliografia:
CORRÊA, Elizabeth Saad (2008). «Reflexões para uma Epistemologia da Comunicação Digital», em Observatório (OBS*) Journal, 4; 307-320 [http://obs.obercom.pt/index.php/obs/article/view/116/142].
FISCHER, Hervé (2008), "2B OR NOT TO BE DIGITAL", in http://www.hervefischer.net/text_en.php?idt=5 [consultado em 15 de Outubro de 2008]
BRABHAM, Daren C. (2008) , Review of the book "Organized Networks: Media Theory, Creative Labour, New Institutions de Ned Rossiter", in http://rccs.usfca.edu/bookinfo.asp?ReviewID=535&BookID=388 [Consultado em 10 de Outubro de 2008].
Ver particularmente esta parte da recensão de Daren C. Brabham (2008):
"Rossiter argues we have become too easily consumed with the project of analyzing phenomena in networks through an empirical paradigm that assumes a real thing with an essence that can be known. The problem with this approach, the new media empirics approach, is that it works to freeze the flows and interactivities of people and ideas in a concrete, present moment as the object of study. This is ill-suited for the study of organized networks, which are moving interconnectivities, ongoing processes, and which emerge from past conditions through the present and into a future of possibilities. This plea for processual media theory by Rossiter resembles the media erotics work of critic Brian L. Ott (2004), whose critique of the stagnancy of television criticism at the time called for an attentiveness to the pleasures of audiences engaged in the co-creation of meanings in texts rather than the "revealing" of ideology latent in discrete texts". in Daren C. Brabham (2008) , Review of the book "Organized Networks: Media Theory, Creative Labour, New Institutions de Ned Rossiter", in http://rccs.usfca.edu/bookinfo.asp?ReviewID=535&BookID=388 [Consultado em 10 de Outubro de 2008]
Livro recenseado: Ned Rossiter, Organized Networks: Media Theory, Creative Labour, New Institutions, Rotterdam, Netherlands: NAi Publishers, 2006
[texto escrito em conjunto com Luzia Pinheiro]