sábado, 24 de março de 2012

A nudez da escritora Simone de Beauvoir desafia o moralismo do Facebook


"Na quinta-feira, 15, o fotógrafo carioca Fernando Rabelo teve sua conta do Facebook suspensa por ter postado uma foto em que a escritora francesa Simone de Beauvoir aparece nua, de costas. [...]
À primeira vista, pode parecer apenas moralismo, mas corre-se o risco de o bacanal tomar conta da rede social. Na falta de instrumentos adequados — e funcionários capacitados para avaliar, e com rapidez, porque na rede é sempre para ontem, o que é e o que não é arte —, a direção do Facebook teme que comecem a postar fotografias de crianças, adolescentes e adultos nus ou cenas de sexo explícito". 

Euler de França Belém, "Nudez de Simone de Beauvoir e o moralismo do Facebook", in Jornal Opção, in http://www.jornalopcao.com.br/colunas/imprensa/nudez-de-simone-de-beauvoir-e-o-moralismo-do-facebook

A censura da foto de Simone Beauvoir, pela organização FACEBOOK do Brasil, constitui um sintoma muito preocupante para a eco-cidadania digital. Qual a entidade que irá definir a "regra" que separa o nu artístico do nu pornográfico numa foto? Não será mais importante o contexto do que uma visão cega, como refere justamente o jornalista, assente na moral e na ética protestante do século XVIII?  

Curiosamente a foto não apresenta nenhum sinal de ser ensaiada para ser vista com um "olhar" pornográfico. É um corpo natural sem as operações de domesticação estética...  É um corpo em si que flui e que ama, que se vê a um espelho. E que é visto (apenas?) de costas. A única possibilidade de criar alguma percepção pornográfica seria a sua nudez traseira e a beleza do seu corpo bem proporcionado. Contudo, faz-me recordar uma cena doméstica normal nos teatros de Paris dos anos 50. Tem, na minha opinião, uma qualidade: dá-nos uma sensação do espírito do tempo, um imaginário como diz M. Maffesoli. Um tempo de criação, um tempo que irá culminar no "Maio de 1968" em Paris.

De certa forma, o argumento estético que invoco tem também uma dimensão ética importante. Remete para uma outra visão do mundo que surgiu com a arte moderna e as novas formas de vida emergentes em finais do século XX.

Neste ponto, a internet começa a desafiar os modos tradicionais assentes na ética do trabalho e na moral protestante que emergiram no século XIX com a forma capitalista moderna de viver e de se submeter. Essas formas ainda dominam em grande parte a lógica da economia e da política (com oposições célebres como, por exemplo, o Prémio Nobel da Economia Amartya Sen). Contudo, no campo da arte e da vida quotidiana no mundo digital essa realidade aparentemente dura tende a ser vista como uma cortina de fumo que se dissolve no ar. Uma feiticização mágica, um controlo em fluxo como dizia Gilles Deleuze, que idolatra a mercantilização da energia e a superiroridade do "aço" sobre a carne perde, pouco a pouco, a sua eficácia. 


A questão central é a de saber até que ponto o que se passa no mundo "real", com os seus controlos legais baseados, por exemplo, no direito do autor, na imposição de limites, poderá ser aplicado num outro espaço público - as redes sociais digitais. Que são justamente e tão só uma outra forma de estar em público.  Até que ponto esta ordenação média não é o começo (ou o alargamento) de uma onda preocupante em que as outras formas de controlo do espaço público baseadas numa  "ética protestante" de tipo norte-americano, que ainda não estão a ser aplicadas na rede internética, comecem a proliferar . E associada a essa ética, como muito bem mostrou o fundador da sociologia, Max Weber nos começos do séc. XX, desenvolve-se toda uma lógica, a engrenagem do espaço público dominado pela crença na escravatura/euforia tecnológica e na valorização da vida-mercadoria.

Este pequeno passo do Facebook é um indício, sem dúvida, preocupante tornando urgente uma acção que não se pode ficar pela contestação das leis internacionais para controlar o direito de autor e o anonimato (Ver o caso SOPA). A cidadania eco-digital passa também necessariamente por estas pequenas resistências, micro-acções estéticas que poderão modelar ou não o nosso futuro próximo. As sombras do "Big brother" de G. Orwell já não são mera ficção...

José Pinheiro Neves (Blog: http://socialsoftware-portugal.blogspot.pt/ )

Nota: deverei também publicar a foto de Simone Beuavoir arriscando-me a ter a minha página no Facebook banida?
Aceitam-se sugestões. :-)

Excertos do artigo:

"Na quinta-feira, 15, o fotógrafo carioca Fernando Rabelo teve sua conta do Facebook suspensa por ter postado uma foto em que a escritora francesa Simone de Beauvoir aparece nua, de costas. A fotografia foi feita em 1952 pelo fotógrafo americano Art Shay, durante uma passagem da autora de “O Segundo Sexo” por Chicago. Art Shay era amigo de Nelson Algren, o amante americano da autora.
Ouvido pelo Portal da Imprensa, Fernando Rabelo disse estar surpreso com o bloqueio: “Eles devem controlar a pornografia, mas essa censura precisa ter algum mecanismo que saiba controlar o que é conteúdo artístico e o que é algo pornográfico. Chega ser assustador ver que a arte está sendo banida do Facebook. Porque censuram uma foto artística, mas nas propagandas pagas da página vemos diariamente anúncios de serviços de encontros. É necessário que saibam diferenciar o que é arte e o que é pornografia para não virar uma ditadura”, destaca Fernando Rabelo. A assessoria de imprensa do Facebook no Brasil afirmou ao Portal da Imprensa que “os termos de responsabilidade da rede social são seguidos à risca e não há exceção para imagens artísticas”.
À primeira vista, pode parecer apenas moralismo, mas corre-se o risco de o bacanal tomar conta da rede social. Na falta de instrumentos adequados — e funcionários capacitados para avaliar, e com rapidez, porque na rede é sempre para ontem, o que é e o que não é arte —, a direção do Facebook teme que comecem a postar fotografias de crianças, adolescentes e adultos nus ou cenas de sexo explícito. Censura-se tudo como medida de profilaxia moral e, ao mesmo tempo, legal. O Facebook pode ser acionado como corresponsável se aceitar a divulgação de determinados tipos de fotografia. Talvez seja o caso de o usuário postar apenas os endereços de fotografias e assuntos correlatos.
No caso específico de Simone de Beauvoir, o Facabook não tem instrumentos e capacidade para entender o seu pensamento e seu comportamento, pois nivela tudo, e não necessariamente por baixo. Define uma média e ponto. A fotografia já saiu em livros e a própria escritora era uma mulher liberal, manteve, durante anos, um relacionamento aberto com o filósofo Jean-Paul Sartre. A regra é que não havia regras — eles podiam ficar com quem e quando quisesse. Sartre era um verdadeiro fauno e dava em cima até de alunas de Simone".





PS - Uma arma do mercado, que dispõe o consumidor do produto rede social, seria optar por outro concorrente. Mas neste mercado não haverá um Monopólio mais ou menos não assumido por parte do Facebook e do Google? Apesar de tudo, resta sempre a argumentação na cidadania. Uma argumentação que repete o cenário do surgimento da estética moderna quando esta abalou as nossas formas ocidentais de ser humano, de percepção. Ou não será a estética também um campo importante na definição do nosso modo de vida futuro? E quando se refere o perigo de o Facebook  ser mais atacado ainda pela colocação de fotos nuas está-se a tocar na dimensão política do fenómeno. Eu diria eco-política pois a onda digital, estas novas ligações, coloca, de algum modo, em causa formas de vida mais ou menos rígidas que emergiram com o espírito do capitalismo e a ética protestante (ver Max Weber). O que está em jogo, na minha humilde opinião, é a opção entre um modelo do século XIX que domina ainda, em grande parte, o imaginário da internet e da economia e um outro modelo emergente que sustenta, em outras coisas, a necessidade de novas formas de espaço público, de cidadania eco-digital. De novas ligações e de novas auto-regulações.

2 comentários:

  1. concordo com a forma como combatem a pornografia. Nudez explicita será sempre nudez explicita. Não dá paa uma criança diferenciar uma mulher pelada por pornografia ou artisticamente, a criança vai ver a mulher pelada e banaliar a moralidade. Já tem tanta coisa amoral nas redes sociais, precisa haver algum lugar seguro onde possamos navegar sem nos preocuparmos em ver obscenidades junto à nossa família. Zuckerberg fez merda dizendo que brasileiros estragam as redes sociais, agora precisamos mostrar que somos civiliados e que não precisamos ser reconhecidos mundialmente pela pornografia, nudez e quaisquer que sejam as nomenclaturas para imorais.... Somos um povo de respeito sim. Indepentende de religiao ou credo, família tem base no respeito e moraalidade, não permitamos jamais, que isso seja destruido! Humilde opinião Taisi Romão

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    1. Defende três ideias, se bem entendi. O facebook faz bem em aplicar regras moralistas e estritas em relação à nudez. 2. O facebook, com estas regras, passa a ser um lugar seguro. e 3. Um povo deve mostrar que é civilizado (aplicando as regras moralistas) 1. Será que se combate a "pornografia" proibindo, através de uma regra criada pela ascética burguesia do século XVIII? A arte moderna e os movimentos pela criação de uma nova moral mais ética vão pedir mais. Exigir mais. A pornografia vive à custa desta proibição. Deste interdito. SE essa proibição da nudez, um pecado original que nos antecede, fosse revista o modelo masculino (patriarcal, como diz a Antropologia) iria ser profundamente abalado. Por alguma razão a palavra mais procurada no Google é a palavra "sex". Porque os nossos modelos de ética são hipócritas e moralistas. E estão, pouco a pouco, a desfazer-se como se aconteceu nos últimos anos do Império Romano cristianizado...
      2. Será que "precisa haver algum lugar seguro onde possamos navegar sem nos preocuparmos em ver obscenidades junto à nossa família"? Repare que a Internet é o lugar menos seguro do planeta. Quantas tragédias e mortes, e muito sofrimento atravessam as redes. É o lugar mais perigoso do mundo. Por isso, o problema não está em moralisticamente interditar a visão de mamilos de "homo sapiens" fêmea. O problema não está na imagem. Está na "educação" de quem olha... O que se devia fazer era investir, com projetos inovadores), na educação para as redes digitais. Criar uma disciplina obrigatória nos cursos de crianças/jovens a partir da escola elementar. Educação para o mundo digital (ver o trabalho de Manuel Pinto e Sara Pereira - CECS, Universidade do Minho, Portugal.
      3. Um povo é civilizado se for capaz de conciliar de forma equilibrada o nosso lado racional com as emoções. Necessita de equilíbrio. Necessita de "educação" (uma educação para a liberdade e não falsos "moralismos".

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